terça-feira, 26 de novembro de 2013

Os 30 anos da descoberta do primeiro sítio arqueológico da região


O espaço territorial que compreende hoje a chamada Região Administrativa de Presidente Prudente, com 53 municípios no Oeste Paulista, foi um local muito habitado por índios em sua fase pré-histórica. No entanto, a partir do século 20, com a intensificação da colonização pelo homem branco, isso mudou de rumo.
“Os índios viviam em relativa tranquilidade na região. Mas o colonizador desestabilizou essa forma de vida dos índios. O colonizador queria a terra e o índio não era interessante para ele no local. A colonização da região foi muito predatória. Provocou o esgotamento de toda a região. Não havia a preocupação com a preservação do solo, da vegetação e da vida do índio. O índio foi exterminado ou empurrado para lugares mais distantes”, afirma a antropóloga e arqueóloga Ruth Künzli, professora emérita do campus da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Presidente Prudente.
Em 2013, ela celebra os 30 anos da descoberta do primeiro sítio arqueológico da região. É o chamado Sítio Alvim, que fica no distrito de Itororó do Paranapanema, no município de Pirapozinho, às margens do Rio Paranapanema, que divide os Estados de São Paulo e do Paraná. “Em função do achado, montamos uma equipe de arqueologia, com o professor José Martin Suárez, o Pepe”, lembra Ruth, que cita o colega geólogo e paleontólogo.
Com isso, foi criado o Projeto Arqueológico da 10ª Região do Estado de São Paulo. Atualmente, são 49 sítios arqueológicos mapeados, com material coletado sob guarda da Unesp, já que se trata de patrimônio da União. São peças cerâmicas, pedras lascadas e polidas e material malacológico, que envolve conchas. No tamanho, elas variam de três centímetros a 1,5 metro. O acervo inclui utensílios, ferramentas, vasilhames e urnas funerárias.
‘Acidente’
O interesse de Ruth pela pré-história foi obra do acaso, conforme ela mesma conta. “Foi acidental, com a descoberta do primeiro sítio. Foi um acaso. Um senhor trouxe pedaços de cerâmica à Unesp que nos levaram ao Sítio Alvim. A partir daí, me envolvi completamente com a arqueologia”, conta a pesquisadora.
Em urnas funerárias, ela encontrou, além de ossos, machadinhas pretas, pequenos potes e vasilhames que deveriam conter alimentos. Isso indica um ritual de preparação dos mortos para um outro mundo.
A pesquisadora identificou uma concentração de sítios arqueológicos nas confluências de rios maiores com cursos d’água menores. Isso demonstra a busca das populações por alimentação, através da pesca, e por água, para garantir a sobrevivência.
Porto Primavera
Entre 1998 e 2002, foi desenvolvida a etapa de campo do Projeto de Salvamento Arqueológico de Porto Primavera. O resultado rendeu 110 sítios arqueológicos, dos quais 15 foram escavados. O material coletado atingiu a marca de 98 mil peças, entre objetos de cerâmica, pedras lascadas e polidas e malacológicos.
A equipe de pesquisadores teve de agir rapidamente, devido à inundação provocada pela formação do lago da usina hidrelétrica de Porto Primavera, construída pela Companhia Energética de São Paulo (Cesp), no Rio Paraná, e trabalhou na margem paulista.
“Foi uma luta contra o tempo, mas se perdeu muito material”, lamenta Ruth. Em 2008, foi feito um novo monitoramento da área, com a descoberta de oito sítios em situação de risco. Com isso, montou-se a segunda etapa do projeto de Porto Primavera, com o trabalho de campo de escavação destes oito sítios, entre 2008 e 2011.
“A conclusão é de que a região foi uma área de ocupação tupi-guarani, diante das características da cerâmica, por causa das urnas funerárias e de uma decoração chamada de corrugado, feita com o polegar, com populações lavradoras de índios sedentários e aproximadamente 1 mil anos”, explica Ruth.
Já as pedras lascadas, segundo ela, foram feitas por populações nômades, coletoras e caçadoras, que remontam a uma faixa entre cinco mil e sete mil anos atrás.
Em 2011, a equipe de arqueologia da Unesp, com a Prefeitura de Presidente Epitácio, começou a montar um projeto para a criação de um museu histórico e arqueológico na cidade, um Ecomuseu. Fica no sítio arqueológico da Lagoa São Paulo e conta com verba da Cesp, como forma de compensação pelos impactos causados pela usina de Porto Primavera, através de acordo com o Ministério Público nas esferas estadual e federal.
“A implantação está em fase de tratativas legais. A ideia consiste em deixar o material protegido por vidros, mas aberto ao público, com passarelas para que as pessoas possam ver o acervo in loco. Vai ser um atrativo turístico muito grande. Através do museu, a preocupação se volta para o patrimônio cultural, para fazer com que a população o conheça”, conta a pesquisadora.
Família
Filha única, Ruth Künzli nasceu no dia 10 de novembro de 1939, em São Paulo (SP). Os pais moravam em Álvares Machado e a ida à capital paulista foi só para que ela pudesse nascer. Logo em seguida, voltaram para a região e se estabeleceram em Presidente Prudente. Os pais eram suíços.
A mãe, Margarida, foi uma das fundadoras da Aliança Francesa, onde deu aulas de francês e alemão, e também da Sociedade Hípica de Presidente Prudente, pela qual ensinou equitação. Escreveu dois livros de crônicas sobre fatos marcantes de sua própria vida – “Grandes e Pequenas Pedras de um Mosaico” e “Palavra-chave: Cavalo (A Sociedade Hípica de Presidente Prudente)” – e faleceu em 2011, aos 100 anos.
Já o pai, Gotthard, foi engenheiro civil e agrimensor. Trabalhou na Prefeitura de Presidente Prudente. E deixou um legado de obras que até hoje marcam a história da cidade, como a duplicação da Avenida Brasil, a torre da Catedral de São Sebastião, o primeiro prédio de vários andares no Centro de Prudente (na área onde hoje fica o banco Santander), o edifício onde funciona a Associação Comercial e Industrial (na Rua Siqueira Campos) e o desnível entre as pistas da Avenida Manoel Goulart (entre a Avenida Coronel José Soares Marcondes e a Avenida Brasil). Também deixou sua marca na Igreja Matriz de Álvares Machado, na implantação dos sistemas de água de esgoto de Presidente Bernardes, Santo Anastácio e Presidente Epitácio e na abertura das cidades de Bataguassu (MS), Bataiporã (MS) e Rosana. Gotthard morreu aos 81 anos, em 1983.
“Iniciei os estudos formais aos dois anos de idade, no Colégio Cristo Rei, para aprender o português. Em casa, só se falava o suíço (dialeto). A vantagem foi a de que freiras alemãs me ajudaram nesse aprendizado. Fiz os ensinos primário e ginasial no Cristo Rei e, depois, o científico no IE [Instituto de Educação] Fernando Costa. Em 1962, me formei na primeira turma de geografia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras [Fafi], que foi a precursora da Unesp na cidade”, lembra Ruth.
Entre 1964 e 1965, ela fez um estágio de um ano na Suíça, em antropologia. Em 1967, começou a dar aulas de antropologia na Fafi, em Prudente. Em 1980, defendeu o mestrado na Universidade de São Paulo (USP), sobre o ensino agrícola e a vida rural no Sudoeste Paulista. Em 1991, também pela USP, concluiu o doutorado com uma tese sobre o sítio arqueológico de Narandiba, em que abordou a arte rupestre desenvolvida em gravuras sobre basalto.
Ainda em sua trajetória, Ruth atuou na criação do Museu Etnográfico da Fafi, com material indígena, em 1972, e do Centro de Museologia, Antropologia e Arqueologia (Cemaarq), já na Unesp, em 1991, que juntou os acervos etnográfico e arqueológico. Em 2005, passou a integrar o material paleontológico recolhido em pesquisas do professor Pepe na região, com sáurios, crocodilianos e quelônios. Hoje, ela se orgulha de dizer que o Cemaarq recebe 14 mil visitantes por ano.
Ainda nas atividades profissionais, Ruth se envolveu em dois projetos importantes. “Através de Projetos de Políticas Públicas da Fapesp [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo], portanto com verbas dessa instituição, nos propusemos a reestruturar e informatizamos o Museu Histórico e Arquivo Municipal de Presidente Prudente e criamos o Museu Histórico de Álvares Machado”, relata.
Por outro lado, a participação da pesquisadora na vida comunitária em Presidente Prudente é também marcante. Ela foi por quatro anos presidente da Sociedade Hípica. Por duas vezes, presidiu o Conselho Municipal de Cultura. Foi membro por várias vezes do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) local (hoje denominado de Comudephaat) e faz parte há mais de dez anos do Clube Soroptimista, do qual é atualmente presidente.
Para ela, o resultado de todo este trabalho é “gratificante” e deixa a “sensação do dever cumprido”. “Enquanto eu tiver condições físicas, de saúde, vou continuar”, avisa.
Fonte: ifronteira

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